terça-feira, 22 de novembro de 2016

Direito à vingança


"Mariners Revenge" Lanie McCarry
Nas passadas aulas de psicologia, o nosso professor passou um filme chamado "Relatos Selvagens". Este filme compila diferentes histórias, com personagens distintos e situações desiguais. Porém, apesar de díspares, existe algo de semelhante entre estas histórias que em certa forma as une. Algo que se apodera do corpo humano, fazendo dele seu hospedeiro. Algo que deixa a nossa noção de ética cega e que não olha a meios para atingir os fins. Algo a que nós chamamos de vingança. Em todas os relatos era-nos apresentado um ato de vingança e o seu motivo. Como o primeiro conto, a história de Pasternak, um homem que durante a sua vida foi sempre inferiorizado, um indivíduo injustiçado que um dia, como forma de retribuir os maus tratos, decide pagar a todos que alguma vez lhe fizeram mal uma viagem de avião com o intuito de o despenhar. Vemos neste caso, que Pasternak vingou-se de todos aqueles que lhe fizeram mal durante toda a sua vida. Este foi o motivo que levou Pasternak a compactuar com a vingança, a sede de ver os outros a sofrer na sua mão, porque também este sofreu nas mãos destes. Mas haverá motivo para alguém recorrer à vingança? Terá o Homem esse direito? Terá o Homem liberdade para o fazer?

Estas foram algumas das perguntas que me surgiram e que eu discuti com um amigo. E enquanto debatíamos, eu pedi-lhe a sua opinião. Este respondeu que as pessoas não têm nenhuma razão suficientemente plausível para recorrer à vingança como resposta a algo. E eu concordei.

"O desprezo é a forma mais subtil de vingança.", Baltasar Gracián y Morales

Concordei porque todos os atos têm consequências. As consequências são o produto das nossas ações. E estas, tal como as ações praticadas, podem ser boas ou más. Claro está, que quando nós somos autores de uma determinada ação que resultou numa consequência negativa que afetou alguém, imediatamente estaremos colocados na mira da ira dessa pessoa. Porém, que direito tem essa pessoa de se vingar por causa da nossa ação. O Homem não tem a capacidade de totalmente prever e controlar as consequências que resultam das suas ações. Sem querer admitir a existência do "destino" ou algo semelhante, as "coisas acontecem". E que poder ou força tem o Homem para controlar essas "coisas" que, além de serem incontroláveis, são posteriores à sua vontade? O controlo das consequências das ações é algo que se encontra fora do alcance do Homem e da própria natureza. Como tal, se uma ação praticada por uma pessoa tem consequências negativas para outra, que direito dispõe esta de se vingar?

"Olho por olho, e o mundo acabará cego.", Mahatma Gandhi

Porém, é importante também refletir sobre outros aspetos, como a intenção da ação. Pois, o nosso mundo é casa de lobos e de ovelhas. Assim como há pessoas altruístas e bem intencionadas, existe pessoas vocacionadas para o mal e abençoadas com o dom de saber fazer sofrer. Existem pessoas que praticam más ações por gosto, e nestas situações será que as consequências não foram más por influencia da sua vontade? A meu ver, a vontade do Homem consegue influenciar o caráter das consequências das suas ações. E ao estarmos a aceitar as consequências das ações, estaremos em parte a aceitar a intenção de quem praticou a ação; o que nos tira o direito de a repreender. Aceitar a intenção do Homem sendo esta má para ele, seria o mesmo que aceitar um dogma, seria um ato cego e ignóbil.
REVENGE / Marko Beslac / Artwork

Com estas reflexões finais não quero incentivar à prática da vingança nem de modo algum a defender, porque o Homem não é totalmente livre e como nos foi ensinado "a nossa liberdade termina onde começa a dos outros". Como tal, o Homem deve aprender a respeitar a liberdade do próximo. Não quer isto dizer que tenha de aceitar tudo o que lhe é feito, mas sim reagir com ética (para tal este dispõe de um conjunto de normas impostas pela sociedade que proteje os seus direitos e define os seus deveres). A vingança consegue impregnar-se no Homem e apoderar-se deste, e apesar do Homem por vezes deixar-se controlar, este continua a ser um ser racional, pelo que é seu dever reconhecer a vingança como um inimigo e não como uma solução.

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Vítor Ferreira (21)

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